Chamada de Trabalhos | Reparar (n)o Irreparável (N.º 13) | Encerrada
Editoras temáticas: Ana Cristina Pereira (Universidade do Minho, Portugal), Gessica Correia Borges (Universidade do Minho, Portugal) e Marta Lança (BUALA)
Propomos, neste novo número da Vista, pensar as reparações do mundo estilhaçado em que vivemos enquanto um programa de contravisualidade, no sentido em que procura compreender a mentira instituída pela visualidade e propor-lhe alternativas (Mirzoeff, 2011, 2023). Esta sugestão comporta a consciência da sua própria impossibilidade conceptual e ética, uma vez que implicaria acabar com este mundo para que uma nova possibilidade de vida pudesse emergir (Ferreira da Silva, 2022; Mbembe, 2020/2021). No entanto, a consciência do direito à reparação é tão antiga como o colonialismo e a escravatura, e tem sido uma demanda das vítimas desses processos históricos (Araujo, 2017; Azoulay, 2019; Savoy, 2022). Face à impossibilidade de reparar a brutalidade da violência colonial (Mbembe, 2020/2021) — a ocupação, a espoliação, o etnocídio, o desenraizamento, os raptos, as violações, o epistemicídio, o saque em grande escala, e o extrativismo — é preciso, ainda assim, fazer a sua “necrologia” (Hicks, 2020), insistir no gesto de reparação, através de uma “ética da incomensurabilidade” (Tuck & Yang, 2012), parte essencial de um processo de cura e cuidado permanentes.
Hoje, por todo o mundo, governos de antigas potências coloniais e instituições — como a universidade e o museu — estão a ser pressionados para estabelecer políticas de reparação. Nestas se incluem acautelar os direitos dos descendentes de espoliados e escravizados, pedidos de desculpa pelas atrocidades do colonialismo e pela prática da escravatura em larga escala, a implementação de políticas afirmativas (por exemplo, quotas étnico-raciais no acesso à universidade e aos lugares de decisão nas estruturas), a revisão das narrativas históricas e, consequentemente, dos curricula (através da inclusão de narrativas, sujeitos históricos e artistas até agora excluídos), a devolução de objetos saqueados, a descolonização do espaço público (por exemplo, através do desmantelamento de estátuas racistas e a memorialização às vítimas da escravatura), o perdão de dívidas odiosas e o pagamento de indemnizações.
A discussão sobre os processos de reparação não é de hoje, mas tem vindo a ganhar preponderância à escala mundial, e em Portugal aparecem pontualmente vozes que querem participar nessa conversa global, sobretudo na academia, mas também fora dela, como na Assembleia da República, no meio artístico e no ativismo. Destacamos, neste âmbito, o “IV Encontro de Cultura Visual” e a Oficina de Reparações organizados por Ana Cristina Pereira e Inês Beleza Barreiros, coordenadoras do Grupo de Trabalho de Cultura Visual da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, em colaboração com o teatro da mala voadora (Porto), entre 23 de junho e 8 de julho de 2023, onde se procurou articular práticas artísticas, académicas e do ativismo social em torno do tema reparações. O presente número da Vista pretende também ser uma continuação do trabalho desenvolvido durante esse período.
Convidamos à submissão de trabalhos (que podem ser disruptivos relativamente ao formato tradicional de textos em revistas científicas) que contribuam para o debate crítico e contra-hegemónico, sobre:
- Reparar restituindo: sobre as restituições dos objetos roubados, adquiridos em circunstâncias pouco claras ou no âmbito de uma relação de poder colonial (Figueiredo, 2022), e a repatriação de restos humanos. Sobre como descolonizar os museus e “curadorias do desconforto” (Vlachou, 2022);
- Reparar o espaço público: sobre as políticas de memória no espaço público, sejam as estátuas, os nomes das ruas, decoração de espaços de poder, entre outros. Sobre o “trabalho da memória como reparação” (Sturken, 2022);
- Reparar a narrativa histórica: sobre os programas escolares, os compêndios e as suas imagens, as fontes (visuais) da narrativa histórica e a representatividade (Sousa et al., 2022);
- Reparar a paisagem: sobre ecologia e política, o extrativismo e como combatê-lo. Sobre formas de “justiça reparativa” que contemplem também a natureza;
- Reparar através da arte: sobre o papel da produção artística e das práticas culturais nestes processos (Demos, 2020; Eugénio, 2019). Como estes estão a ser trabalhados e com que resultados;
- Outros temas que possam contribuir para a reflexão sobre reparações e visualidade.
DATAS IMPORTANTES
Submissão (texto completo) | nova data: de 18 de setembro a 20 de dezembro de 2023
Publicação do número: edição contínua (janeiro a junho de 2024)
LÍNGUA
Os artigos podem ser submetidos em inglês ou português. Os artigos selecionados para publicação serão traduzidos para português ou inglês, respetivamente, devendo ser publicados integralmente nos dois idiomas.
EDIÇÃO E SUBMISSÃO
A Vista é uma revista académica de acesso livre, funcionando de acordo com exigentes padrões de revisão por pares, operando num processo de dupla revisão cega. Cada trabalho submetido será enviado a dois revisores previamente convidados a avaliá-lo, de acordo com a qualidade académica, originalidade e relevância para os objetivos e âmbito da revista.
Os originais deverão ser submetidos através do website da revista (https://revistavista.pt/). Se está a aceder à Vista pela primeira vez, deve registar-se para poder submeter o seu artigo (indicações para se registar aqui).
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Para mais informações, contactar: vista@ics.uminho.pt
REFERÊNCIAS
Araujo, A. L. (2017). Reparations for slavery and the slave trade. Bloomsbury.
Azoulay, A. A. (2019). Potential history: Unlearning imperialism. Verso.
Demos, T. J. (2020). Beyond the worlds’ end: Arts of living at the crossing. Duke University Press.
Eugénio, F. (2019). Caixa-Livro AND. Editora Fada Inflada.
Ferreira da Silva, D. (2018, 4 de outubro). A dívida impagável. Buala. https://www.buala.org/pt/mukanda/a-divida-impagavel-lendo-cenas-de-valor-contra-a-flecha-do-tempo
Figueiredo, J. (2022). Falling into history: A case for the restitution of Mbali tombstones and the revival of the realms of memory of the enslaved. Postcolonial Studies. https://doi.org/10.1080/13688790.2022.2152163
Hicks, D. (2020). The brutish museums. The Benin bronzes, colonial violence and cultural restitution. Pluto Press.
Mbembe, A. (2021). Brutalismo (M. Lança, Trad.). Antígona. (Trabalho original publicado em 2020)
Mirzoeff, N. (2011). The right to look: A counterhistory of visuality. Duke University Press.
Mirzoeff, N. (2023). White sight. Visual politics and practices of whiteness. MIT Press.
Savoy, B. (2022). Africa’s struggle for its art: History of a postcolonial defeat. Princeton University Press.
Sousa, V., Khan, S., & Pereira, P. S. (2022). Reparações históricas: Desestabilizando construções do passado colonial. Comunicação e Sociedade, 41, 11–22. https://doi.org/10.17231/comsoc.41(2022).4039
Sturken, M. (2022). Terrorism in American memory: Memorials, museums, and architecture in the post-9/11 era. New York University Press.
Tuck, E., & Yang, K. W. (2012). Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 1(1), 1–40. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/des/article/view/18630
Vlachou, M. (2022). O que temos a ver com isso? O papel político das organizações culturais. Buala; Tigre de Papel.