O que Persiste na Imagem-Escombro?

Autores

DOI:

https://doi.org/10.21814/vista.5257

Palavras-chave:

demolição urbana, fragmento, fotografia encontrada, representação pública, ruína

Resumo

Quando uma edificação é demolida, a sua estrutura, unitária e planeada, é desintegrada em incontáveis fragmentos. Heterogéneos e desordenados, estes fragmentos borram os limites entre o que era privado — o espaço doméstico — e o que é público — o terreno antes ocupado. Em 2019, encontrei uma fotografia familiar entre os escombros da demolição das últimas torres do Bairro do Aleixo, no Porto. Este foi um conjunto de habitação pública construído na década de 1970 para realojar famílias da Ribeira-Barredo, deslocadas por uma reabilitação urbana. Ao longo do tempo, as cinco torres abrigaram uma população numerosa e mutável que se apropriou desse modelo de habitação até então incomum. Entre 2011 e 2019, o Aleixo foi alvo de três operações de demolição, politicamente justificadas por sua degradação estrutural e social. As duas primeiras foram implosões espetaculares e televisionadas, enquanto a última, que presenciei, foi uma lenta desconstrução que durou meses. Na fotografia, uma mulher vestida de branco posa numa varanda da Torre 1 do antigo Bairro do Aleixo. Ao fundo, paira o esqueleto fálico da Torre 4, implodida décadas depois. Quando encontrada, a fotografia, arruinada pelo tempo e pelas circunstâncias, sugeria uma afinidade conceptual com os escombros que a cercavam. Neste artigo, detenho-me sobre essa fotografia encontrada, objetivando desvelar os processos e as tensões armazenadas nesse fragmento. Recorro às relações ontológicas entre fotografia e morte, também entre fotografia e ruína, para analisar a imagem espectral desse sítio obliterado. Desenvolvo o que o encontro com ela pode indicar sobre a memória do bairro, a sua imagem pública, assim como o longo e violento processo de remoção dos seus moradores. Chego à noção de “imagem-escombro” como chave de leitura para esse vestígio quase desaparecido que afirma teimosamente a persistência de um lugar dissidente e complexo, pretensamente apagado do espaço público e suprimido da memória urbana pelas sensibilidades dominantes.

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Biografia Autor

Flora Paim, Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, Portugal

Flora Paim é artista e investigadora afiliada ao Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa na qualidade de bolseira de doutoramento em Estudos Artísticos – Arte e Medições, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Mestre em Arte e Design para o Espaço Público pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, licenciou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (Brasil). Atualmente desenvolve a sua investigação de doutoramento Escavar lugares-arquivo: Metodologias críticas e artísticas de leitura e intervenção em descampados urbanos, um aprofundamento da sua pesquisa de mestrado intitulada A Terra Sob o Asfalto: Terrenos Vagos, Resistência e Entropia.

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Publicado

2024-01-29

Como Citar

Paim, F. (2024). O que Persiste na Imagem-Escombro?. Vista, (13), e024001. https://doi.org/10.21814/vista.5257

Edição

Secção

Artigos Temáticos